A força das sombras

Antes de mais nada é preciso entender que só existe sombra na presença da luz. É impossível que tenhamos uma sombra se não houver uma fonte de luz sobre nós. Por isso, metaforicamente falando, a sombra é uma filha da luz.

Se nos trancarmos num quarto escuro, hermeticamente fechado, sem nenhum ponto de luz, não teremos sombra. Ela surge exatamente quando a luz chega. A luz e a sombra estão intimamente conectadas.  A sombra só existe na luz.

Falo isso porque todos tememos as sombras. Colocamos sobre ela todo nosso conceito de mal. OS demônios estão na sombra. Nossos males estão na sombra. Nossa vergonha está na sombra.
Tudo que desejamos ocultar está nas sombras.  As sombras sempre estão ligadas as nossos aspectos menos desejados.  O que mais queremos esconder, escondemos nas sombras.

Como fica claro na história de Peter Pan, não podemos existir sem nossa sombra. Ele é parte importante de nosso ego e eu verdadeiro. A sombra é um tijolo forte na nossa casa. Ignorá-la tem seu preço. No caso do Peter Pan, ele perdia sua força e sua capacidade de voar. No nosso caso, perdemos nosso brilho, caminhamos pela metade.

Muito de nós se esforçam para manter afastada sua sombra. Lançam sobre si, inúmeros holofotes, na tentativa de eliminar qualquer traço de suas sombras.  Tais holofotes são como as máscaras descritas por Sartre, os arquétipos de Jung, as taras de Freud.  Criamos uma capa e ocultamos tudo indesejado. Sem perceber que estamos escondendo nós mesmos.

Vivemos uma sociedade de relacionamentos rasos. Tudo é rápido e fugaz. Tudo é relativo e deve ser consumido rápido permitindo uma grande vazão de experiências. Nos permitir sentir apenas o necessário. Quando permitimos.  Nos anestesiamos e passamos a colecionar pilhas inúteis de horas de vidas não vividas.

Somos mortos-vivos.  Somos zumbis. Vagamos de uma experiência a outra. Sem aos menos digerir o que está acontecendo.  Deglutimos a vida como fazemos com um lanche de fast food. O prazer é momentâneo e efêmero.  Logo, como viciados em drogas, partimos em busca de outra coisa.

As redes sociais junto com a internet potencializaram esse aspecto da vida: tudo vem em drops. Notícias em 140 caracteres, troca de mensagens instantâneas, a vida passou de ser vivida em horas para ser vivida em segundos, milissegundos.

O dia acaba sempre com a sensação de não ser suficiente para tudo.  Nisso escondemos nossas sombras.

Por sermos rápidos e rasos, se tornou importante vender bem nossas imagens: devemos ser atléticos e bem sucedidos e isso deve ser rapidamente constatado. Não existe tempo hábil para irmos além da primeira impressão.  Somos escravos de nossas máscaras. Somos refém de nossas embalagens.

Sentir se tornou proibido. Sentir toma tempo. E tempo é dinheiro.

Sentir se torno algo de gente fraca, homossexuais – no caso de homens. Perceber a beleza da vida é inadmissível. Apenas contemplar ou querer entender além das aparências, se tornou tarefa de desocupado ou maluco: estará condenado a não ser aceito. Estará condenado a ser nada.

Precisamos aceitar nossas sombras. Fazer as pazes com elas. Entrar em contato com elas. Conversar com elas. Ir ao seu encontro e buscar nelas a parte que nos falta. Abrir mão da ansiedade e da pressa e sentir. Ouvir a nossa sombra contar sobre nós e de nossos temores. Ouvir de nossas sombras o que de fato tentamos esconder e que faz parte de nosso íntimo.

Tudo isso demanda tempo e contemplação. Muito meditação e coragem para olhar no espelho sem vaidades. Não é tarefa simples.  Por isso a grande maioria das pessoas prefere seguir cego a esses pontos. Fingir que não existe resolve por um tempo. Mas tão logo esqueçamos ou acreditamos que tudo passou, logo tudo volta com força dobrada.

É preciso diminuir o ritmo. Ter paciência e aceitar nossas imperfeições. É necessário entendimento: ninguém gosto de coisa defeituosas e quebradas. Muitos se afastarão de nós. Essa é uma estrada solitária e só diz a respeito a si.  Não haverá plateia no final aplaudindo. Não haverá pódios, medalhas, honras. No final só estará você. O seu eu verdadeiro e a plenitude, inclusive no imperfeito.

Essa é uma escolha de cada um. A mim só cabe mostrar as possibilidades. Trilhar é contigo.

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